O livro de Izabel Marson se inscreve nas Iinhas do revisionismo historiografico, tendência que tem se tornado comum no Brasil desde José Honorio Rodrigues. Ainda que este procedimento crítico tenha ganho adeptos, alguns temas tem se mostrado refratários, e entre eles a Revolução Praieira parece se colocar como um dos mais resistentes.
A Revolução Praieira (Pernambuco 1848), ocorrida no conjunto das revoltas do período da regência de Pedro II foi, como as demais manifestações políticas do período regencial, um conflito que evidenciou o choque entre as forças liberais e as conservadoras. Em face dos demais conflitos contudo a Praieira se distinguiu das revoltas que a precederam por ser a mais elaborada e debatida de todas. Ela foi também a última das rebeliões internas do tempo imperial, evidenciando o aperfeiçoamento de urna oposição progressista aos latifundiários e oligarcas. O forte apelo popular e a violência dos debates fizeram desta, urna revolta farta de documentação, com discussões eloquentes e apaixonadas, travadas localmente e no Rio de Janeiro. No entanto, dada a vitória dos grupos conservadores e a imposição do esquecimento sobre a façanha dos liberais derrotados, foi havendo sequentemente o abandono de outras versões que não a vencedora.
Marson procura acabar com os “cortes seletivos”, consagrados pela retomada constante dos mesmos apoios documentais, repetidas vezes invocados até o ponto de se tornarem “inquestionáveis”. Estabelece urna espécie de diálogo entre as várias versões, acrescenta documentos pouco valorizados e analisa a “fabricação da verdade” segundo sua versão oficial. Assim o objectivo deste livro não é o estudo da Praieira enquanto um tema histórico, e sim desmontar a sequência historiográfica estabelecida pela repetição dos mesmos fatos apoiados exclusivamente em algumas fontes.
A inspiração teórica que guia a interpretacão de Marson advém de Claude Lefort. O texto é organizado em cinco capítulos dos quais depois de serem feridos os temas historiográficos são enriquecidos por documentos pouco estudados como os “Autos do Inquérito da Revolução Praieira”. No terceiro e quarto capítulos a autora retoma a questão dos partidos políticos que expressaram as correntes “conservadoras” (guabirus) e do partido da Praia (praieiros), revolucionários. O quinto capítulo se propõe a refletir sobre o ardil que resultou da aliança entre a política e a “história”, responsável pela manutenção do mito da ordem e da unidade nacional sobre a memória popular, revolucionária.
Atrás do reexame hístoriográfico, Marson indica urna explicação da política imperial, onde o estado deveria pairar sobre as forças partidárias, atuando como autoridade disciplinadora das oposições. Sem dúvida o texto de Marson é engenhoso e de sofisticada pretensão. Na mesma linha de contribuição ao revisionismo já marcada na historiografia brasileira pelos trabalhos de Carlos Alberto Visentini e Edgard De Decca, a autora abre urna nova avenida para se pensar a Praieira.