O Autor deste livro, Professor de Teologia em Recife, apostrofou sua obra com o sub-título, “ensaio de interpretação a partir dos oprimidos,” pretendendo orientar-se pela corrente historiográfica encabeçada por Capistrano de Abreu, que segundo suas palavras, representa “a história dos esforços dos brasileiros comuns, do povo. . .. E como a história do catolicismo é antes de tudo a história da fé e das crenças vividas pelo povo, tivemos que optar por Capistrano de Abreu (e não por Varnhagen)” (p. 9). Outra atitude inovadora na obra em apreço é a maneira favorável e positiva como aborda um tema até então exclusivamente estigmatizado pela literature cristã, a saber, o problema do sincretismo religioso. “Na realidade, uma atitude aberta e simpática diante do sincretismo é profundamente missionária. . .. Atitude apologética, defensiva da fé, e atitude aberta diante dos sincretismos são duas etapas na formação do missionário: a apologética para firmar a fé e demonstrar a sua peculiaridade; a abertura para os sincretismos culturais para levar esta fé aos homens” (p. 28-29).
Dentro deste quadro referencial, o Autor divide a história do catolicismo no Brasil em tres tendências ou momentos, cada qual com uma manifestação sincrética dominante. O que ele chama de catolicismo guerreiro é marcado pela idéia da “guerra santa” e pela prática de se evangelizar através do emprego da força. Várias manifestações litúrgicas e mesmo certas transformações do significado da prática sacramental apresentam, especialmente durante os primeiros séculos da Colonização, nítidos sintomas guerreiros ou de dominação. O “Triunfo Eucarístico” celebrado em Vila Rica no ano de 1733 é interpretado pelo Autor como tendo a função de “confirmar e perpetuar as ações repressivas de 1709 (Guerra dos Emboabas) e de 1720 (Levante de Ouro Preto). A Hóstia sagrada carregada entre as mãos do sacerdote e cercada de perto por autoridades repressivas significou simbòlicamente o triunfo da ordem colonial . . .” (p. 50). A segunda manifestação do sincretismo católico no Brasil é cognominada de catolicismo patriarcal. É uma forma de sacralização da ordem estabelecida, tendo como função impedir o nascimento de uma consciência de comunidade entre os trabalhadores nos engenhos, nas fazendas, nas minerações. É uma “religião de estado” com bastante força: a própria expulsão dos jesuítas foi agenciada exatamente pela elite senhorial (p. 74). Tal sincretismo configurava-se como bastante patológico, na medida em que abortava a mensagem libertadora do cristianismo. Ele foi usado como agência mantenedora da ordem escravocrata. A dupla moralidade era uma de suas mais graves características (p. 83). A terceira manifestação sincrética do catolicismo no Brasil, segundo E. Foornaert, é o chamado catolicismo popular, que se difere do catolicismo patriarcal pois “o povo tem urna cultura própria e podemos mesmo afirmar que o catolicismo popular constitui a cultura mais original e mais rica que o Brasil já produziu durante os 400 e tantos anos de sua história” (p. 99). É nos aldeamentos de indios e nos quilombos dos negros fugidos que vai desabrochar tal religiosidade “livre”: uma interpretação original e verdadeira da mensagem evangélica, na medida em que, segundo o Autor, “o verdadeiro sincretismo procura os caminhos da fraternidade. A fraternidade perdida por causa do colonialismo será estabelecida a partir dos pobres, que já começam a vive-la em pequenas comunidades” (p. 140).
Como se pode ver, a partir deste rápido inventário dos principais assuntos abordados, trata-se de um livro com teses bastantes audaciosas e originais, principalmente porque seu autor é um sacerdote católico e a editora que publica esta obra tem uma nítida orientação católico-romana. Baseando-se exclusivamente em fontes impressas e material de segunda mão, o livro não traz grande contribuição para os estudos da religião e religiosidade no Brasil dos séculos passados. Não é um livro de história: trata-se mais de reflexões teológicas e catequéticas a respeito do catolicismo de antanho.